14.9.08

Aparência

faz a barba
como quem esculpe a efígie de um deus grego
meticulosamente alienado
ao que deveria ter por dentro

30.7.08

Desorientado

não sei se ando ou se fico
neste mundo perdido
em que só para me encontrar
gasto uma vida toda
que poderia ter vivido para amar.

pena que aprendi tarde lição a mais valiosa:
que amando a gente vive e acaba por se achar.

para aqueles que acham que sonhar não custa nada

favor passar na padaria que fica perto da minha casa

e trazer uma dúzia daqueles com recheio de doce de leite

e outros tantos daqueles que têm goiabada.

29.7.08

Convite

se tu fores, eu serei
tu rainha e eu rei
majestades anfitriãs de um baile de máscaras para dois
[numa cama de motel.

25.7.08

me apetece!
por isso que te pego e me acabo
me perco e desfaço
te estupro e afago
como se o mundo logo ali acabasse
e no teu gozo eu o salvasse

22.7.08

Vício

derrete na minha boca como um chocolate,
o teu sexo.
mas nisso findam as analogias,
pois em todo o resto tu me és mais viciante.

mesmo que só em pensamento.

10.7.08

queria que tu tivesses ao menos um,
quem sabe dois,
defeitos, daqueles bem básicos
e comuns, que todos têm e fingem não ter.

só para me dar a certeza de que não és um sonho.

31.5.08

correndo no trapiche que avança sobre o precipício
prestes a me jogar de peito aberto no ar gelado
escutando o vento assobiar nos ouvidos e os pés que batem
[na madeira num ritmo acelerado
um momento de suspensão, enquanto finda o impulso e começa
[a queda -
ou seria o vôo? -
e nele eu vejo o sol que nasce por trás dum pico coberto de neve
tudo tão silencioso
e branco
e completo
pronto! morro e vivo para sempre nesse segundo
em paz

25.5.08

não faz diferença alguma ser primeiro ou último quando se anda em círculos

12.4.08

meus pés afundam na terra úmida
tudo em volta é escuridão e névoa
lamentos e uivos ao longe
tristeza e revolta do mar que se joga contra o rochedo
da folha que despenca da árvore no outono
da lágrima que cai silenciosa
morrendo no infinito de um adeus

12.2.08

e quem foi que te disse que eu quero a eternidade para viver numa calmaria?
eu quero essa necessidade desabalada de tocar as coisas que possuo,
certificando-me de que ainda são minhas,
lutando com medo de perdê-las ou destruí-las soterrando-as pelas novidades que me surgem.
eu quero o nervosismo de não saber do que será o meu amanhã,
essa aventura não escrita da vida que me tem,
sim! é a vida que nos tem, é ela que nos vive, e não o contrário!
essa jornada que muitas vezes é desventura, mas que pode ser encenada,
pode ser mudada e inventada, pode ser vista do ângulo mais otimista sob uma tempestade,
ou sob o enfoque de quem nunca está satisfeito mesmo com a vida feita.
enfim, uma louca sucessão de segredos revelados,
efemeridades que, juntas, compõem uma história infinita, uma eternidade mutável em si mesma,
é isso que quero.

quero morrer, lançando-me ao mundo do nada, do vazio.
mas quero, antes disso, pincelar cores num quadro em movimento.
com cacos daquilo que fui e mudei, montar um mosaico,
um toque da minha essência no âmago da humanidade.
quero deixar a minha marca, revelar segredos, contar mentiras, talvez.
quero fazer parte de algo maior,
quero contribuir naquela sucessão de pequenas coisas idiotas e simples que formam o infinito.

quero a ânsia de viver daqueles que sabem que o amanhã é só promessa,
os que vivem cada dia como se fosse o último dia.
aqueles que aproveitam cada beijo como se fosse o último momento feliz.
essa vontade de viver só tem quem sabe que não tem a eternidade pela frente.

e dentro de cada momento eu vou construir tanto que a eternidade eu encerrarei em cada segundo.